sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Sorriso-Lágrima

“Só que os escritores são seres muito cruéis,
estão sempre matando a vida à procura de histórias.
Você me ama pelo que me mata.
E se apunhalo é porque é para você, para você que escrevo
— e não entende nada.” (Caio Fernando Abreu)

Os olhos ainda estavam fechados quando começaram a chegar as primeiras palavras. Vinham assim: uma atrás da outra. Faz um bom tempo que isso não acontece. É estranho. Assim como escrever pra você uma carta quando o amor está bem longe daqui.

O que eu queria agora era ler um Desconexo amante e escrever como um Poeta no cio. Eu fiquei feliz em saber que a minha última carta te passou esperança, porque era realmente o que eu estava sentindo. Ando tão sem chão, tão sem nada que me fugiram até os ideais. Agora tenho raiva até dos ditos populares, imagine você. Oras, se a esperança é a última que morre, o que pode um poeta como eu estar sentindo? Sabe-se lá o que vem depois dela, se vem. É qualquer coisa como saudade, mas que arde como ácido em ferida aberta. Apesar de tudo, estamos aqui, firmes, tentando.

Lembro que a última vez que te vi, discordei um pouco dos teus novos métodos sobre o amor, o que é estranho, afinal nós sempre estivemos em grande sintonia. Com perfis diferentes, claro: você um poeta Desconexo que escreveu sua história em meio a lutas e sonhos; eu, um poeta amante que escreveu sua história baseada em um baú. É, viver em torno de um baú foi o que a vida me reservou.

E o baú é nada mais que o retrato vivo dela que partiu.
Quando ela foi embora, deixou o baú vazio e toda a minha inspiração foi junto. Na noite em que ela se foi, eu dei um sorriso. Um sorriso-lágrima. Ela pegou as coisas e foi embora. Deixando a minha alma nua e sorrindo em sangue.

O meu sorriso era pra que ela entendesse uma coisa: eu não queria e nem iria pedir que ela ficasse – eu já havia construído tudo, até castelos com fadas, cores e reis – não iria impedir a partida. Quis dizer a ela que eu queria que ela vivesse e amasse muito, mesmo sabendo que ela descobriria que fomos uma farsa. Que eu fui a maior farsa. Eu sabia que ela descobriria no colo de outros que o carinho que eu fiz, outros fazem melhor. E que o frio na barriga apareceria até com o menos interessante. Eu não sou a melhor pessoa. Eu era o até então. Até então, eu fui. Agora, e a partir daquele momento, não haveria mais nada. Não havia sequer complemento ou orações intercaladas. Mas caladas, quem sabe.

Nós é que inventamos essa coisa de. Ah, não sei mesmo se nós fomos importantes pra nós. Eu projetei nela a vontade de ter um amor sem limites. A necessidade de inspiração. E ela projetou em mim a fuga, a “liberdade”, a possibilidade de revolta. Projetos mal acabados. Às vezes eu só queria dizer que só precisávamos do óbvio. Mas ela teimou, teimou e teima para descobrir os sentidos escondidos nas mais loucas metáforas.

Ela ficou guardada. Irão encontrá-la em mim quando os meus órgãos e membros, enfim, pararem. Carregarei por toda a vida, eu acho. E lá onde ela estará cravada, procurarão sentir meu coração que não mais responderá. Mas enquanto ele tiver vida, sentirá essas marcas onde nada apagará.

Mas ontem, em meio a correrias e ponteiros loucos, redescobri que a esperança está arrumando as malas para voltar para casa. Coisas que ficam para a próxima carta, amigo Desconexo.

Abraços cheios de saudade.

Do teu amigo,
o Poeta.